ADEUS
"Já gastámos as palavras pela rua, meu amor
E o que nos ficou não chega
Para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
Gastámos as mãos á força de as apertarmos,
Gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inuteis.
Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tinhamos tanto para dar um ao outro:
era como se todas as coisas fossem minhas,
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Ás vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava ,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
Uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E, no entanto, antes das palavrs gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inutil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus."
Eugénio Drumond de Andrade
As palavras estão realmente gastas.